PITTER LUCENA

Jornalista acreano radicado em Brasília

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terça-feira, agosto 19, 2008

MORRE MARIA TAPAJÓS: A DEFENSORA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Maria Tapajós no aniversário do meu filho Leonardo.

A Justiça acreana está mais pobre desde as primeiras horas do dia 19 de agosto com a morte da juíza Maria Tapajós Areal Sant’Anna, vítima de um maldito câncer com quem ela travou uma luta descomunal pela vida. Defensora intransigente dos direitos da criança e do adolescente, não media esforços para garantir uma vida melhor para a juventude acreana. Escrevo com um nó na garganta com a notícia dessa perda irreparável para o Acre. Maria Tapajós continuará sendo o retrato da mulher amiga, competente, honesta, exigente, carinhosa, educada e, acima de tudo, rígida na aplicação correta da lei.

Conheci Maria Tapajós durante o processo de adoção do meu filho Leonardo, há exatos 12 anos. No decorrer desse tempo amadurecemos uma grande amizade. Quando nos encontrávamos, ela sempre perguntava pelo “filhote”, referindo-se ao Leonardo por quem tinha um carinho muito grande. Nas festinhas de aniversário do “filhote” sempre esteve presente ao lado do fiel marido, Areal, um grande homem que tem como maior patrimônio da vida, a família.

Como jornalista tive o imenso prazer de trabalhar em reportagens investigativas ao lado dessa brilhante magistrada. Formávamos um trio na verdade: A juíza Tapajós, o promotor de Justiça Francisco Maia, e este humilde repórter. Até hoje, na história do Acre, as únicas reportagens investigativas sobre pedofilia e prostituição infantil tiveram participação desses três personagens. No trato com a coisa pública e na defesa da criança e adolescente era uma fera, tinha a fama de “mulher braba”. A última vez que a encontrei foi aqui em Brasília, estava de passagem para os Estados Unidos, mas fez questão de ir à minha casa para ver o seu “filhote”.

Nossa parceria de trabalho no combate à pedofilia no Acre resultou na convocação para participar no dia 16 de junho de 2004, da 38ª reunião da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), do Congresso Nacional, cuja finalidade era de investigar as situações de violência e redes de exploração sexual de crianças e adolescente no Brasil. Maria Tapajós não poupou palavras sobre o assunto. Leia alguns tópicos dessa audiência.

Angústia - A cada dia nos assustamos com o número de pessoas influentes que têm essa prática de violentar nossas crianças, a troco de um picolé, a troco de um ursinho de pelúcia e a troco de uma volta de carro, quando não de um iogurte. O que nos angustia? Acho que há pouco interesse, há pouco empenho, há pouca preocupação de muitas autoridades, de muitos organismos, da própria sociedade, que fecha os olhos, que se cala e isso nos traz muita indignação. Têm coisas que acontecem no Acre a olhos nus, não precisa alguém denunciar anonimamente, ou alguma criança, ou adolescente nos procurar, não. Estamos vendo.

Modificar a lei - A infância e a juventude, todo mundo sabe, tem sua competência limitada, principalmente quando os crimes envolvem pessoa adulta. Nós não podemos julgar um adulto, mesmo que ele cometa qualquer crime contra a criança e o adolescente. Que para a sociedade ela não entende isso e nos cobra demais. Já sugerimos que o Tribunal de Justiça baixasse normas modificando a nossa lei orgânica, aumentando a competência do juizado da infância e da juventude para julgar todo e qualquer elemento, pessoa que cometa qualquer tipo de crime com criança e adolescente.

Figurões - A preocupação com essa cadeia de violências a que uma criança ou um adolescente está sujeito é uma das maiores preocupações nossas. Preocupamo-nos mais ainda com aquelas pessoas que têm mansões ou chácaras afastadas de Rio Branco e que contam sempre com um personagem ou dois que fazem a escolha das meninas para levar para essas chácaras. Lá acontece tudo que vocês possam imaginar e o que vocês não imaginam. Essas pessoas ganham dinheiro, e quanto mais nova for a menina e se for virgem, maior a gratificação. Isso se tornou uma prática em Rio Branco.

Maria Tapajós deixa uma grande lacuna no judiciário acreano, além de uma legião de amigos que souberam admirá-la e respeitá-la em todos os aspectos. Certa vez, durante o início de uma rebelião na Pousada do Menor, ela ordenou que abrissem as portas que iria entrar para conversar com os rebelados. A idéia era absurda. Entrar num ambiente cheio de adolescentes acusados de diversos tipos de crimes era como pedir para sair ferido ou algo pior. Com a voz firme disse: “quem será besta para se meter comigo ai dentro”. Entrou e acabou a confusão.

A juíza da juventude acreana partiu para o andar de cima, mas deixou neste vale de lágrimas uma grande família além do marido e dos filhos. Deixou os amigos que, embora sintam sua falta, sabem que estará ao lado do Pai Eterno, ajudando-o na árdua tarefa de julgar confiante num mundo mais justo e mais humano. Maria Tapajós será exemplo de coragem, dedicação, confiança, respeito e altivez para todos nós. Fica com Deus.

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3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Amigo Pitter Lucena,
Realmente, o Acre perdeu uma ilustrissíma figura, Maria Tapajós.
Deixo um grande abraço para a Sônia.
Ficam os votos de grande amizade por este grande amigo. Um grande abraço e visite-me.
Renã

1:36 PM  
Blogger Há vida além da fachada não said...

Querido Pitter,tive a honra conhecer e trabalhar ao lado deste grande exemplo, que foi Maria Tapajós, suas palavras expresam o que realmente a Querida amiga Maria Tapajós, foi e era e nunca será esquecida. A Infância e Juventude no Acre, está de LUTO mas, ficou o grande exemplo, da grande guerreira.

10:55 AM  
Blogger Andréa Zílio said...

Pitter, que bom te reencontrar em meu blob, e maravilhoso é o seu. Informação com sensibilidade, honestidade. Parabéns. Saudades amigo!

7:49 AM  

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