PITTER LUCENA

Jornalista acreano radicado em Brasília

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quarta-feira, janeiro 02, 2008

TV FAZIA ESPIONAGEM A JORNALISTAS NO ACRE

CHICO ARAÚJO

BRASÍLIA – Fazer imprensa no Acre é uma aventura. No dia-a-dia da redação, os jornalistas convivem com a pressão exercida pelo governo sobre os meios de comunicação, recebem ameaças e até são vítimas de escuta ilegal por parte de alguns empresários. Ali, a maior parte do dinheiro que entra nas empresas vem dos cofres estaduais. Até bem pouco tempo nada saía nos jornais, rádios e TVs sem o prévio aval de um censor ligado ao governo estadual. Edições inteiras só eram liberadas para impressão após uma olhada atenta do censor, tal qual ocorria durante o regime militar. Em síntese: a tesoura funcionou drasticamente.

Como se não bastasse a censura oficial, alguns donos de veículos de comunicação também passaram a intimidar os jornalistas com métodos nada recomendáveis. O caso mais rumoso e obscuro veio à tona no dia 8 de junho deste ano na TV Gazeta, empresa afiliada da Rede Record no Acre. Era sexta-feira. O cinegrafista Eduardo Silva descobriu uma escuta ambiente ilegal instalada no teto da sala da editora-chefe Dulcinéia Azevedo.

A descoberta foi por acaso. Silva avistou um ponto preto no teto e imaginou tratar-se de uma câmera escondida. Ao checar o estranho ponto, a jornalista ficou surpresa com a descoberta: tratava-se de uma escuta ambiental ilegal. E estava ligada.

Repórteres e editores ficaram indignados. Levaram o caso ao dono da empresa, Roberto Moura. Na presença de mais de 20 pessoas, Moura tentou atenuar a gravidade do problema e, em tom jocoso, afirmava que a escuta na sala da editora Dulcinéia Azevedo era “coisa de marido querendo saber se havia levado chifre”. Por conta do descaso e da falta de seriedade demonstrados pela direção da TV Gazeta em apurar a origem da escuta ilegal contra sua editora de jornalismo, a jornalista ingressou com uma ação por danos morais na 4ª Vara da Justiça do Trabalho, em Rio Branco (AC).

Dulcinéia também registrou queixa na Polícia Civil do Acre. Estranhamente, passado quase um ano da denúncia o inquérito nem sequer foi instaurado. O dono da emissora tem relações umbilicais com os atuais e ex-governantes recentes do Acre. Na Justiça do Trabalho, no entanto, a situação foi bem diferente: a TV Gazeta foi condenada a pagar uma indenização de R$ 57 mil à jornalista. A emissora recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, em Porto Velho (RO).

Destruindo provas
Após o flagrante, a direção da emissora se valeu de métodos diversos para se livrar da dos indícios do crime. Afastou a jornalista de suas funções e reformou o local onde a escuta fora localizada. “Fiquei 66 dias afastada da empresa à custa de folgas vencidas, o que me deixou abalada psicologicamente”, conta Dulcinéia. “Passei a ser uma pessoa indesejada na empresa; alguns colegas tinham medo de se aproximar de mim por medo de represálias”.

A sentença em favor de Dulcinéia foi prolatada dia 24 de outubro pelo juiz Celso Alves Magalhães, da 4ª Vara da Justiça do Trabalho. Nela, o juiz diz que a ré (TV Gazeta) não nega a ocorrência do fato (escuta ilegal) e muito menos ser proprietária do equipamento. “É inegável que a “escuta ambiental clandestina” colocada no teto da sala de trabalho da autora, logo acima de seu assento, possui aptidão de monitorar a reclamante sem o seu conhecimento, o que, por si só, afronta sua intimidade e privacidade, com reflexos na dignidade de sua pessoa, bens fundamentais da pessoa humana (art. 1º, II, e 5º, X, ambos da CF/88), elevados a tal dignidade pelo legislador constitucional originário, tanto que não podem ser objeto de Emenda Constitucional (art. 60, § 4º, IV, da CF/88)”, escreveu o juiz.

Mais adiante, o juiz Celso Magalhães critica a postura da emissora diante do episódio. “...por ser um veículo de comunicação de massa [TV Gazeta], afiliada da Rede Record de Televisão, esperava-se da ré, com mais afinco, uma postura comprometida com o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, sobretudo de seus funcionários, haja vista ser a ré detentora da liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (...)”.

Magalhães ainda acrescenta que o monitoramento clandestino demonstrou que a emissora exorbitou de seu direito de fiscalização e controle do ambiente de trabalho. Para o juiz, a empresa poderia utilizar de meios alternativos para fiscalizar seus funcionários, sem lesionar a dignidade da editora nos direitos fundamentais da intimidade e privacidade.

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