PITTER LUCENA

Jornalista acreano radicado em Brasília

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quinta-feira, agosto 03, 2006

HÉLIO MELO: O CONTADOR DE HISTÓRIAS

Lendo a reportagem do jornalista Carlos Eduardo Oliveira, da revista Raiz – Cultura do Brasil, edição número 5, confesso que cresceu meu orgulho de ser acreano. Ele esmiuçou com maestria o movimento cultural que está em efervescência nos últimos 30 anos naquela região do extremo Norte do país, onde o vento faz a curva e o diabo perdeu as botas. O Acre, que no passado era chamado de “enjeitado”, agora terá sua história de sangue, suor e paixão, contada pela Rede Globo de Televisão. O Acre, na minha opinião, é o único estado legitimamente brasileiro, porque fez uma revolução armada para ser Brasil.

Em falar do Acre, não posso esquecer de Hélio Melo, um dos maiores artistas plásticos que passou por aquela região. Trabalhamos muito tempo juntos. Ele com pintura e música e, eu, apoiando sua arte dentro do setor artístico do Sesc. Uma das lembranças que me faz ri até hoje é exatamente quando Hélio foi fazer uma exposição de suas obras na Itália e tirou um foto fumando um porronca (cigarro de tabaco feito a mão) encostado no Coliseu de Roma. Fantástica a expressão de alegria do homem simples que saiu do seringal para a cidade aos 41 anos de vida.

Conheci Hélio Melo em 1987 durante uma viagem de ônibus para Belo Horizonte. Hélio e seu conjunto musical “Sempre Serve” estava indo fazer uma apresentação no Rio de Janeiro e nossa viagem terminou em Cuiabá, para o fim da minha alegria. Hélio fez festa de Rio Branco ao Mato Grosso com sua inseparável “rebeca”, um violino surrado que tocava forró, xote, baião e valsa, descontraindo a cansativa viagem dos mais de 40 passageiros. Hélio não cansava. Sentia prazer em fazer os outros felizes.

Quando não estava tocando sua “rebeca”, o velho Hélio contava seus causos do seringal. Ele jurava de pés juntos que as estórias que contava eram verdadeiras. Na verdade, Hélio mentia tanto que “caía de costas”. Era um cidadão das artes que amava a Amazônia, o cheiro da mata, o canto dos passarinhos, o barulho da chuva e uma boa prosa sobre a vida seringueira. Estava sempre sorrindo para o mundo.

Quando saiu do seringal onde morava em 1959, Hélio Melo veio para Rio Branco com a intenção de melhoria de vida para a família. Sem trabalho e instrução, foi trabalhar como catraieiro levando e trazendo pessoas de uma margem à outra do rio Acre até o início dos anos 70. Nessa época foi construída a primeira ponte que ligou os dois distritos da Capital e o movimento de passageiros caiu e ele desistiu do emprego. Nos anos seguintes trabalhou ainda como barbeiro e vigia noturno.

Hélio Melo começou a pintar aos oito anos de idade ainda no seringal. Não podia ver papel e lápis que começava a rabiscar desenhos, sendo sempre incentivado pelos pais que perceberam que ele tinha dom para o mundo das artes. Ainda no seringal, quando viu pela primeira vez um violino apaixonou-se pelo o instrumento. Depois de muito cortar seringa, ainda jovem, comprou por cerca de 20 mil réis o tão sonhado violino que apelidou carinhosamente de “rebeca”.

Com menos de um ano de muita persistência ele começou a entender o que estava tocando na “rebeca”, sendo acompanhado pelos amigos que fizeram uma orquestra com um ralo, um tamborim feito de lata de querosene, um cavaquinho e um violão. Mas, foi na cidade que Hélio montou o primeiro conjunto musical batizado carinhosamente de “Sempre Serve”, composto de ex-seringueiros que, assim como ele, fugiram da mata para a cidade. Depois que aprendeu a tocar a “rebeca”, Hélio começou a compor suas próprias letras musicais, entre elas “Lembranças do Seringal”, onde conta o sofrimento da lida do homem da floresta.

Hélio Melo também foi escritor. Publicou dezenas deles revelando as estórias dos seringais e os mistérios da floresta. Mas, o velho artista não viveu da venda de livros. Perseguiu o caminho das artes plásticas, desenhando e pintado centenas de telas retratando o mundo amazônico e sua gente. A tinta que utilizava, ele mesmo fabricava retirando das plantas e árvores, a seiva que dava a vida ao seu brilhante trabalho. Foi um dos poucos artistas acreanos que expôs suas obras na Itália e nos Estados Unidos.

O bom Hélio Melo era um homem de um só rosto e várias caras. De tanto pintar o sete tinha uma legião de amigos e admiradores. Conversar meia hora com ele era o suficiente para ficar o resto do dia de bem com a vida. Era um grande contador de história. Histórias de troncoso, do Mapinguari, de assombração, entre tantas outras estava sempre a história de vida.

O contador de histórias morreu feliz e virou história. Seu nome ganhou nome de rua e de teatro em sua homenagem. Mas, a melhor homenagem que posso lhe oferecer, é sempre lembrar dele com muito carinho, respeito e admiração.

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